Resposta à procuradora da República aponta polêmica como pretexto para luta política

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No site da Associação de Leitura do Brasil (ALB), o pesquisador do grupoProfessor Doutor Clécio dos Santos Bunzen Júnior desconstrói os equívocos proferidos pela fala ofensiva da Procuradora da RepúblicaJanice Ascari quanto ao livro didático de EJA “Por uma vida melhor”, considerado porela como um “material que emburrece em vez de instruir”. O professor, na posição deporta-voz dos especialistas no ensino de língua materna, mostra a indignação quantoao desconhecimento, por parte da procuradora, das discussões sobre ensino delíngua, especialmente de Educação de Jovens e Adultos, e aponta que as críticas aomaterial didático e ao ensino serviriam como pretexto para atacar o Ministro daEducação, o partido, o ex-presidente da República.

Abaixo, segue o texto do Professor Clécio Bunzen (Fonte: http://blog-alb.blogspot.com/2011/05/por-leituras-plurais-das-nossas-linguas.html)

Resposta a uma postagem da procuradora da República Janice Ascari.

Cara Procuradora da República, 

Como professor adjunto de uma universidade pública, sinto-me “chocado”. O meu “choque” (diferente do seu) não é com a proposta didática da coleção “Viver, Aprender”, mas com a postura da mídia e de seus interlocutores. Ao ler a notícia sobre uma possível ação no Ministério Público, fiquei pensando como vocês não conhecem as discussões sobre ensino de língua, materiais didáticos e, especialmente, de Educação de Jovens e Adultos. A coleção em discussão não apresenta novidade, uma vez que os livros didáticos de ensino fundamental I, II e Médio já apresentam tal discussão desde o final dos anos 70. A grande novidade (talvez!) é apresentar tal questão sobre a língua para jovens e adultos. Então, qual seria o problema? A ação no Ministério Público será contra todas as coleções didáticas e gramáticas pedagógicas que mostram que a língua não é estática? Se tais coleções fazem tal proposta é porque há uma discussão no Brasil, legitimada pela academia e pelos documentos oficiais. A falta de conhecimento sobre ensino de língua materna, sobre os Referenciais Curriculares da EJA e sobre os critérios de avaliação mostra que a ação no Ministério tende a fracassar. Qual é o argumento? Que o livro didático (“a”, “b”, “c”, “n”) ensina o aluno a falar errado? Se for, há vários equívocos: (1) o livro não ensina ninguém a falar, mas promove atividades que façam o falante refletir sobre sua língua; (2) não é apenas essa coleção que faz tal trabalho com a variação linguística; (3) tal coleção se baseia em discussões teóricas no campo da Sociolinguistica, da Linguistica Aplicada, da Sociologia da Educação, etc. Como a autora da coleção falou, ela não estava ensinando a escrita formal e pública, mas estava discutindo sobre diferentes formas de “falar” e sua adequação a uma situação específica.
Tal questão já foi discutida em outros países, por isso ela não é “recente”. Talvez, o que é recente é saber que as pessoas sabem pouco sobre Educação de Jovens e Adultos. Então, como discutir a proposta do livro em análise sem pensar que os cursos de licenciatura no Brasil não discutem o ensino de EJA. Acho que há vários problemas na EJA que poderiam ser alvo de discussão e de políticas públicas, mas a discussão parece-me que é outra: vocês atacam o atual Ministro da Educação, o PT, o ex-presidente através da autora do livro didático. Parece-me um bom momento para discutirmos o ensino de língua no Brasil, mas, repito, tal discussão não é nova.
Enfim, acho completamente impossível defender uma ação no Ministério Público sem conhecimento sobre os direitos universais linguísticos, as propostas de ensino de língua no Brasil desde os anos 70, as outras coleções de livros didáticos de ensino de língua materna, sobre os critérios de avaliação do PNLA, etc. A autora do livro didático está sendo acusada de uma questão que não é pessoal (por isso, não é um erro), mas uma posição política e pedagógica que defendemos em várias obras, discussões, cursos de formação, avaliação de materiais didáticos, etc. Por tal razão, não é um crime. Se fosse um crime, teríamos que prender muitas pessoas. Quando começará a caça às bruxas? No entanto, antes de afirmarmos que tal ação pedagógica é um “crime”, sugiro definir que tipo de “crime” com base nas discussões sobre política linguística. O total desconhecimento dessa política nos faz afirmar informações (na mídia, nos blogs) que deixam muitos professores, pesquisadores e interessados no ensino de língua literalmente “chocados”.

Prof. Dr. Clecio dos Santos Bunzen Júnior
Meste e Doutor em Linguistica Aplicada pela Unicamp
Professor da Universidade Federal de São Paulo
Entrevista com Vera Masagão Ribeiro, doutora em educação, coordenadora geral da ONG Ação Educativa
http://cbn.globoradio.globo.com/programas/cbn-total/2011/05/17/ERROS-EM-LIVRO-DE-PORTUGUES-SERVEM-PARA-LEVAR-ALUNOS-DO-COLOQUIAL-A-NORMA-CULTA.htm 

Posicionamentos da ALAB e ABRALIN em relação a polêmica dos livros didáticos.http://www.alab.org.br/noticias/destaque/80-polemica-em-relacao-a-erros-gramaticais-em-livro-didatico-de-lingua-portuguesa-revela-incompreensao-da-imprensa-e-populacao-sobre-a-atuacao-do-estudioso-da-linguagem

Eis a resposta da República Janice Ascari em seu blog pessoal

Fonte:

http://janiceascari.blogspot.com/2011/05/recebendo-e-prestando-esclarecimentos.html

Recebendo e prestando esclarecimentos

Agradeço muito as indicações de textos a respeito do tema (alguns eu já havia lido) e os esclarecimentos prestados nos comentários ao post anterior, no Twitter e por e-mail. Descontados alguns argumentos de autoridade e solenemente ignoradas as ironias, grosserias e deselegâncias de uns poucos, a troca de informações deu-se em alto nível e é sempre saudável. Devemos, sim, sempre conversar e conviver com a diversidade de ideias.
Recebi ontem no celular um recado da Professora Vera Masagão, coordenadora da ONG “Ação Educativa”, responsável pelo livro e uma de suas autoras, colocando-se à disposição do Ministério Público para prestar todos os esclarecimentos necessários. Só não retornei a ligação porque peguei o recado já tarde da noite, mas vou fazê-lo. Agradeço a gentileza e elogio a Profª Vera pela atitude. A ONG “Ação Educativa” pode ser melhor conhecida aqui: http://www.acaoeducativa.org.br/portal/
Este blog é pessoal, é desconhecido e pouco acessado. Minha insignificante opinião só ganhou alguma dimensão por uma matéria do jornal O Globo, ao qual deixei bem claro que estava falando como mãe e que não havia analisado juridicamente a questão: http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2011/05/16/procuradora-da-republica-preve-acoes-contra-uso-de-livro-com-erros-pelo-mec-autora-se-defende-924478530.asp
Com as leituras e os esclarecimentos recebidos aqui e no Twitter, entendi perfeitamente o ponto de vista dos especialistas em linguística. Isoladamente considerado, até que faz sentido. Entretanto, penso que há outros aspectos que devem ser considerados, dos pontos de vista educacional, pedagógico e do ensino da Língua Portuguesa de acordo com os programas oficiais dos cursos regulares e das regras para o vestibular. O ensino na vida real é um desafio para educadores e professores de todas as matérias e seja qual for a classe social dos alunos. Minha mãe, hoje aposentada, foi professora da rede estadual a vida inteira. Tenho outras professoras na família. Não há uma verdade absoluta e, se houver, ninguém é dono dela.
Mantenho minha opinião discordante e não me convenci de que esse é o melhor método de ensino, por mais que possa estar correto do ponto de vista acadêmico.
Contudo, pauto-me unica e exclusivamente por minha consciência e sei reconhecer um erro, o que faço aqui, publicamente. Assiste total razão ao Professor Doutor Clecio dos Santos Bunzen Júnior, Meste e Doutor em Linguistica  Aplicada pela Unicamp e Professor da Universidade Federal de São Paulo quando chama a minha atenção para o fato de eu ter dito que isso “era um crime”.
Expressei-me muito mal. Crime, no sentido técnico-jurídico da palavra, não há. Peço desculpas ao Prof. Dr. Clecio, aos autores do livro e a quem mais possa ter se sentido ofendido. Utilizei o termo no sentido leigo, querendo significar um absurdo, algo inaceitável. Por isso, fica aqui a minha retratação formal e meu esclarecimento, no sentido de que o termo “crime” foi por mim mal utilizado. Não acusei o MEC nem os autores do livro de nenhuma conduta que, sob o aspecto estritamente jurídico, possa configurar crime. Como fosse um castigo, a linguagem vulgar me pregou uma peça.
Por fim, o editorial “A pedadogia da ignorância”, do jornal O Estado de São Paulo, edição de hoje ( http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110518/not_imp720732,0.php ), traz uma informação inverídica. Não lidero nenhum grupo de procuradores e não foi anunciado que o Ministério Público Federal irá processar o MEC.
Atuo em matéria criminal em segunda instância, perante o Tribunal Regional Federal, apenas. A atribuição para instaurar procedimentos sobre o tema é dos membros do MP de primeira instância que integram os ofícios de Tutela Coletiva, ou seja, os que trabalham com a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, a quem compete promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (como a educação). Somente esses procuradores é que podem analisar se é o caso de se abrir, ou não, algum procedimento sobre o caso, seja por iniciativa própria ou por representação.
A mim, como mãe, foi gratificante ter me informado sobre as várias facetas da questão, embora mantenha minha opinião discordante inicial.

Meus respeitos e grata a todos pelo bom debate.

Postado por Janice Agostinho Barreto Ascari às 10:42

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