O ensino de “gêneros” em três tradições: implicações para o ensino-aprendizagem de língua materna [1]

Clecio Bunzen (Doutorando em Lingüística Aplicada- Unicamp)

“O que tem esse termo [gênero] e área de estudos que ele representa para atrair tanta atenção? O que lhe permite agrupar sobre o mesmo guarda-chuva terminológico críticos literários, retóricos, sociólogos, cientistas cognitivistas, especialistas em tradução automática, lingüístas computacionais e analista do discurso, especialistas em Inglês para Fins Específicos e professores de língua? O que é isso.. que nos permite reunir sob o mesmo rótulo publicitários, especialistas em comunicação empresarial e defensores do inglês Simplificado?”
 Candlin (1993)


0. “Era uma vez”: palavras iniciais

            Neste artigo sobre a teoria dos gêneros (doravante TG), poderíamos direcionar nossas atenções para diversos pontos deste campo de estudos considerado multidisciplinar, uma vez que “o interesse pela teoria dos gêneros e suas aplicações não se restringe mais a um grupo específico de pesquisadores de uma área em particular ou de um setor qualquer do globo terrestre, mas cresceu a ponto de assumir uma relevância muito mais ampla do que jamais foi imaginado” (Bhatia,1997:1). Como bem diz Candlin, na epígrafe deste trabalho, é um conceito que vem sendo utilizado por vários campos do conhecimento desde os Estudos Folclóricos até as pesquisas em Lingüística Aplicada.[2] No entanto, como seria de se esperar, cada vez que este conceito “migra” de uma área para outra, ele é re-significado e ganha, muitas vezes, uma identidade própria que sempre nos faz perguntar: gênero para quem?  a serviço de que? com qual embasamento teórico? com que concepção de língua(gem)?
             Em relação ao ensino de gêneros no cenário brasileiro, parece-nos que tal heterogeneidade e multiplicidade de perspectivas foram praticamente “camufladas”; como se  houvesse apenas uma direção para se abordar os “gêneros” em sala de aula. Este artigo, que surge de notas de estudo para entender o porquê da importância (ou não?) de tal conceito em relação ao ensino de língua materna, procurará apresentar brevemente três tradições que com referenciais teóricos diferentes defendem um trabalho baseado na TG para o ensino de língua materna, a saber: a escola australiana (conhecida como Escola de Sidney), a Escola de Genebra e a escola norte-americana (conhecida como Nova Retórica) [3]. Ao realizar esse estudo, tínhamos o intuito de entender: (i) como e quais gêneros estavam sendo “transformados” em objetos de ensino; (ii) quais são as justificativas para um ensino com base em gêneros e seus possíveis efeitos e (iii) que concepções de ensino-aprendizagem estão subjacentes em tais propostas.
            Tal discussão se torna importante, no nosso contexto educacional, pois estamos presenciando, desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Fundamental I e II (1998) e do Médio (1999), uma gama de pesquisas no cenário acadêmico que apontam para o ensino de gêneros como uma alternativa para desestabilização de práticas pedagógicas vistas como “tradicionais” (ver Rojo, 2000; Dionísio, Machado & Bezerra, 2002; Lopes-Rossi, 2002); vários livros didáticos e paradidáticos que legitimam e divulgam um ensino de língua materna com base em gêneros (ver Cereja & Magalhães, 1999; Gagliardi & Amaral; 2001; Soares, 2002; Brait & Rojo, 2003); alguns cursos de formação inicial e continuada que utilizam pressupostos da teoria de gêneros para discutir o ensino de língua materna (ver Rojo & Barbosa, 1998; Rojo, 2001b; Signorini 2004), entre outras formas de legitimação e de divulgação. De forma geral, podemos dizer que “ensinar gêneros”, nos últimos anos, virou a chave mágica para resolver grande parte dos problemas do ensino de língua materna; principalmente por ser um conceito que possibilita uma concepção de língua mais ampla e integra os principais eixos do ensino: leitura, produção e análise lingüística. Todavia, parece-nos que ainda estamos procurando entender o que significa realmente “ensinar gêneros”, e se é possível (Freedman e Medway, 1994 a), pois apesar de várias propostas de caráter aplicado ainda temos várias pedras no meio do caminho.
            Por esse motivo, resolvemos observar outras propostas de ensino de gêneros para procurar encontrar caminhos talvez menos pedregosos e questionar o que estamos entendendo por “ensinar gêneros”.  Desta forma, acreditamos estar contribuindo para uma melhor compreensão das diversas utilizações do conceito de “gênero” no campo aplicado ao ensino de língua materna. E, ao mesmo tempo, estamos reforçando a idéia de que este conceito não caiu de pára-quedas no contexto brasileiro; uma vez que ele já vinha se desenvolvendo de forma bastante instigante em outros países. Além disso, gostaríamos de frisar que não estamos realizando aqui uma comparação para escolher quem faz o “melhor” trabalho didático com os gêneros. Ao contrário, ao procurar perceber o que é comum e diferente nessas tradições, estamos justamente enfatizando que não há apenas um único caminho.
            Iniciaremos, então, nossa discussão pela escola australiana, pois ela parece ser a primeira a relacionar os estudos de gênero com o ensino tanto de língua materna quanto estrangeira, como sugere Oliver (1999). Em seguida, apresentaremos os posicionamentos da Escola de Genebra que tem influenciado bastante as propostas pedagógicas e pesquisas brasileiras (ver Rojo, 2000, 2001a; Rojo e Cordeiro, 2004). Por último, comentaremos os estudos da Nova Retórica que ainda não aparecem de forma tão intensa nos estudos sobre ensino de língua materna, no Brasil, mas que trazem questionamentos e posicionamento bastante críticos em relação ao ensino de gêneros.

1.Escola de Sidney: perspectiva sistêmico-funcional 

            Os estudos de gênero advindos dessa escola se desenvolveram baseados nos postulados da Lingüística Sistêmico-funcional (LSF) proposta por Halliday [4], da sociologia da educação (sobretudo Bernstein) e dos estudos sobre as práticas de letramento escolar realizados principalmente nas escolas primárias e secundárias australianas, nas décadas de 70 e 80, por Jim Martin, Joan Rothery, Frances Christie, entre outros. É importante não perdemos de vista que é justamente com a chegada de Michael Halliday na Universidade de Sidney, no início de 1976, que o Departamento de Lingüística começou a oferecer cursos de pós-graduação que enfocavam questões relacionadas ao ensino de língua materna (Richardson, 1994). Logo após a sua chegada, mais precisamente em 1979, Jim Martin começou também a desenvolver projetos de aplicação da LSF em contextos educacionais juntamente com Joan Rothery e Frances Christie.
            No interior desses projetos, centenas de produções textuais produzidas pelas crianças em diversas disciplinas escolares foram analisadas e categorizadas com base nos propósitos comunicativos durante sete anos de pesquisa (Rothery, 1996). Segundo Littlefair (1992:3), “as categorias continham diferentes formas de escrita e os pesquisadores pensaram que seria importante descrever lingüisticamente essas diferentes formas e gêneros”. Essa distinção era feita, conforme Rothery, com base nas diferenças léxico-gramaticais e nas escolhas semântico-discursivas que constroem a função dos estágios constitutivos dos textos. Os resultados apontavam que esses alunos escreviam mais gêneros narrativos, como as observações e os relatos, embora as narrativas de caráter pessoal fossem as mais valorizadas pelos professores. Observou-se também que parecia não existir uma preocupação com uma sistematização dos gêneros curriculares (relatórios, exposição, argumentação), nem com as práticas de escrita fora do contexto escolar. Os professores raramente tinham clareza quanto às questões de progressão curricular e de avaliação das produções textuais, principalmente, porque não possuíam critérios para distinguir os diversos gêneros (Rothery, 1996; Martin, s/d).
             Neste sentido, a concepção de que para se produzir um texto é necessário atenção tanto para a construção textual quanto para as práticas de leitura, ou seja, para a natureza social e cultural das práticas de letramento, não estava sendo levada em consideração. É assim, então, que se inicia um forte questionamento sobre os resultados dos textos produzidos pelos alunos que parecem estar embasados nos pressupostos metodológicos de dois modelos de ensino-aprendizagem de língua escrita que dominaram o contexto australiano durante os anos 70 e 80: “Process Writing” [5] (Graves, 1983; Coe, 1983) e “Whole Language [6] ” (Goodman, 1978).
            Martin (1985, apud Richardson 1994) denominou essas duas perspectivas como estando baseadas em uma “folk-psycology”, pois contribuem essencialmente para sustentar o não empoderamento [powerlessness] das crianças e para preservar as divisões de classe sociais. Por essa razão, o autor critica fortemente a concepção defendida por essas perspectivas que, ao dar voz aos alunos, deixa-os escolher os próprios tópicos para produção de texto. É também alvo de condenação a pouca interferência do professor no processo de ensino-aprendizagem dos alunos. Para Martin (1985), “conferecing is used not to teach but to obscure. This kind of refusal to teach helps reinforce the sucess of ruling-class children in education; through an insidious benevolence other children are supportively encouraged to fail”.
            Tais críticas iam contra uma visão individualista dos sujeitos e do crescimento pessoal de cada aluno, e apostavam numa concepção de ensino-aprendizagem de língua escrita que levasse em consideração os aspectos sociais, mais do que noções como “criatividade”, “imaginação”, “mistério de criação” ou a primazia da “expressividade” defendida pelo Writting Research Team de Londres que influenciou bastante os professores australianos nos anos 70 e 80. Outros dois pontos de conflito que merecem ser aqui destacados é a idéia de que os movimentos “progressistas” davam pouca ênfase ao produto e ao ensino explícito dos conhecimentos sobre a língua e seu uso, sendo, portanto, uma “pedagogia invisível” (Cairney, 1992; Martin 1993) [7]. Isso fez alguns estudiosos, principalmente Frances Christie, se preocuparem com a construção de um currículo escolar explícito (por isso, visível) com base em gêneros. Agora, podemos nos perguntar: mas que conceito de gênero foi utilizado para (re) organizar essas práticas escolares?

1.1 Gênero e registro: dois conceitos essenciais

            De forma geral, podemos dizer que a teoria que sustenta o movimento intitulado “Genre-based Approach” foi desenvolvida por Hasan (1978), Kress (1982), Martin (1985), entre outros, como um prolongamento dos trabalhos iniciais da LSF sobre registro (Halliday, 1978).Segundo Vian Jr. (2001:147), a LSF concebe a linguagem “como um sistema de escolhas, utilizadas em um determinado meio social para que seus usuários possam desempenhar funções sociais”, por isso é uma teoria sistêmico-funcional. Neste sentido, quando as pessoas produzem um texto, seja escrito ou falado, as escolhas que elas fazem com respeito ao registro vai depender do contexto de situação, enquanto as escolhas em relação ao gênero vai depender do contexto de cultura. Em outras palavras, as escolhas lingüísticas são socialmente determinadas pela interação do contexto de cultura e do contexto de situação. A figura 1 abaixo, adaptada de Richardson (1994:124), procura demonstrar como essa relação é vista pela LSF:
Figura 1. Contexto de situação e contexto de cultura
Elipse: Gênero proposto       Contexto de cultura     

 

 

 

 

 

 


            O exemplo oferecido por Christie (1999:761) pode ser esclarecedor para entendermos como funciona a relação entre as noções de gênero e de registro na LSF: a estrutura de uma narrativa [gênero bastante familiar nas culturas de língua inglesa] “apresenta uma orientação, um problema subseqüente ou complicação, resposta(s) avaliativas para a complicação, uma resolução, e alguma vezes uma coda. A escolha para essa estrutura é percebida como uma escolha de um gênero”. Já a escolha de um campo ou tópico (por exemplo, a narrativa de um episódio trágico), das relações (se o episódio é narrado em primeira ou terceira pessoa) e do modo (se o fato é narrado por escrito, acompanhado de ilustrações, ou é oral com utilização de fotografias em movimento, como no caso do filme) são escolhas que dizem respeito ao registro. Desta forma, percebemos claramente que a unidade de análise é o texto e que “suas condições de produção, o contexto em que é produzido, bem como a maneira como os participantes organizam o texto para a comunicação, formarão a rede de significados que permeiam a LSF ”(Vian Jr, 2001:150).
            O termo gênero é usado, então, para abarcar “cada tipo de atividade lingüisticamente realizada que faz parte de nossa cultura” (Martin, 1985: 250). Em outras palavras, “é uma atividade proposital, orientada a um objetivo, desenvolvida em etapas, na qual os falantes se envolvem como membros de nossa cultura, como as atividades desenvolvidas em etapas ao marcar uma hora no dentista, comprar legumes, contar uma história, escrever um ensaio, candidatar-se a um emprego, escrever uma carta ao editor, convidar alguém para jantar, e assim por diante”(Martin,1984:24). Por esse motivo, tanto o gênero quanto o registro são vistos como sistemas abstratos materializados pela língua, ou seja, “um texto reflete as escolhas gramaticais, lexicais e semânticas inerentes ao contexto situacional e ao contexto cultural em que é produzido, deixando transparecer, dessa forma, a visão sociossemiótica de linguagem proposta por Halliday” (Vian Jr, 2001:155). Resta-nos abordar como tais noções são utilizadas em relação ao ensino de língua materna.

1.2: “Genre-based Approach”: um currículo escolar com base em gêneros

            A perspectiva da “Escola de Sidney” para o ensino de gêneros se propõe a ter uma visão holística e transdisciplinar, uma vez que o que está em jogo aqui é a produção de gêneros para todas as disciplinas escolares: “há uma preocupação não por ensinar a língua pela língua, mas como a língua opera em todas as áreas do currículo” (Derewianka, 1990 apud Richardson, 1994). Não podemos esquecer que, ao pesquisarem os gêneros que eram produzidos pelos alunos da escola primária, um dos problemas encontrados era justamente a  pouca exploração de gêneros importantes para a aprendizagem de disciplinas como “Ciências” ou “Estudos Sociais” [8]. Foi dessa concepção de ensino de língua escrita que surgiu a necessidade, já comentada anteriormente, de propor uma classificação e um estudo mais sistemático dos “gêneros curriculares”, como os chama Christie [9].
            O que está na base também desse posicionamento é que, para os alunos adquirirem os conhecimentos “novos” na escola e terem igual acesso à aprendizagem, eles precisam controlar os gêneros escritos [10] mais valorizados nesta esfera comunicativa (relatos, argumentações, explicações, procedimentos, etc.). Esse controle vem necessariamente através do ensino explítico dos gêneros que deverão ser instrumentos de mudança social e de empoderamento. Ao estudar a exposição de argumentos contra ou a favor de uma tese, por exemplo, os alunos estão entrando em contato com uma forma de argüição que é importante para várias áreas do currículo escolar, como também para participar das práticas de letramento presentes na comunidade: escrever uma carta solicitando emprego ou tomar uma posição sobre questões ambientais e submetê-la a uma agência governamental, como defende Rothery (1996:98). A questão que se coloca agora é como ensinar aos alunos os “gêneros curriculares” escolhidos com base na relação entre as práticas de letramento e as disciplinas escolares?
             A figura 2, abaixo, adaptada de Rothery (1996:102), representa uma visão geral dos estágios do ciclo de ensino de gêneros propostos por esse grupo de pesquisadores. Entretanto, é bom ressaltar que esses estágios não devem ser entendidos como uma fórmula com blocos uniformes que devem ser seguidos “passo a passo”, mas como estágios que devem ser adequados à realidade de cada sala de aula. Eles foram criados para facilitar o trabalho do professor na organização de suas ações, mas não têm um caráter prescritivo ou normativo, segundo Rothery (1996). Seus nomes, por exemplo, servem, na prática de sala de aula, como uma metalinguagem própria para o ensino de gêneros, facilitando a explicitação das metas a serem atingidas em cada estágio. 

            Comentaremos aqui brevemente os quatro estágios do ciclo para termos uma visão da concepção de ensino-aprendizagem que fundamenta essa tradição de ensino de gêneros:

 

            Como podemos perceber pela descrição acima, os trabalhos com base em gênero da chamada “Escola de Sydney” procuram refutar várias práticas e concepções de ensino de língua escrita advindas dos movimentos “Whole Language” e “Process Writing”. E enfatizam justamente um ensino explícito dos gêneros e suas características textuais e lingüísticas, o que possibilita uma pedagogia visível e mais centrada no professor e nos objetos de ensino. Além disso, tal modelo de língua é capaz, segundo Rothery (1996), de modelar o currículo em termos de práticas de letramento relevantes, mapear possíveis caminhos para o desenvolvimento das capacidades letradas e aprendizagem dos alunos e desenvolver critérios mais seguros para assessorar e avaliar os alunos.
            Um outro ponto que nos chama atenção é a possibilidade, enfatizada pelo grupo, do professor poder realizar um trabalho que leve em conta a progressão dos textos ou um currículo em espiral [spiral curicullum]. Também os trabalhos de Brunner, Rothery (1996:112-113) relatam como, com base nas noções de gênero e de registro, os alunos de ensino secundário (no nosso caso, Ensino Fundamental II) podem iniciar um trabalho com [1] narrativas pessoais e passar progressivamente a produzir [2] narrativas de ficção científica, [3] narrativas projetadas, em que interagem mais de um mundo discursivo, [4] narrativas temáticas e por fim [5] narrativas subversivas, em que dois temas e seus respectivos valores estão em tensão cultural [12].

2. Escola de Genebra: interacionismo sócio-discursivo

            O grupo de pesquisadores da chamada “Escola de Genebra” – Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz, A. Pasquier, Sylvie Haller, entre outros - pertence ao Departamento de Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FAPSE) da Universidade de Genebra (UNIGE) e dedica suas pesquisas tanto à constituição do interacionismo sócio-discursivo (Bronckart, 1999; Machado, 2002) quanto a sua aplicação ao ensino de francês como língua materna. Essa equipe tem, desde os anos 80, realizado trabalhos na tentativa de modificar algumas práticas de ensino vistas como “tradicionais” e repensar a questão da formação dos professores de língua materna (Bronckart & Rosat, 2000). Nos últimos anos, os resultados de seus trabalhos têm provocado um re-direcionamento nos referenciais curriculares para a escola genebrina; assim como a produção de materiais didáticos, adotados pela escola pública na Suíça francófona, que procuram legitimar os posicionamentos teóricos e metodológicos adotados pelo grupo (ver Rojo e Cordeiro, 2004).
            A perspectiva de mudança baseia-se numa concepção do ensino de língua materna que defende uma “didática da diversificação” (Bronckart, 1991; Schneuwly, 1991), ou seja, um movimento contrário às abordagens e aos métodos tradicionais que enfatizam principalmente uma abordagem puramente gramatical, “destinada a dotar os alunos de uma consciência explícita das principais categorias e estruturas do sistema da língua, pensando-se que, com essa base, os alunos desenvolveriam, posteriormente, uma maestria textual, tanto em relação aos aspectos de produção quanto aos de compreensão-interpretação” (Bronckart, 1999:84). Em suma, uma abordagem centrada na unicidade da língua. O que a “Escola de Genebra” vai propor é justamente uma abordagem centrada na diversificação dos textos e nas relações que esses mantêm com seu contexto de produção, enfatizando os aspectos históricos e sociais. Não podemos perder de vista que, aqui, como na escola anterior, as unidades de análise são os textos numa acepção sócio-interacionista, ou seja, vistos como “a ‘realização semiótica’ de uma ação de linguagem situada, que se efetua tomando um dos modelos de gêneros disponíveis no intertexto de uma determinada língua natural” (Bronckart, 2000:5).
            Ao enfatizar um ensino de língua materna que levasse em conta a socialização dos alunos (Bronckart, 1991), fez-se necessário discutir a seleção e o tratamento dos textos com os quais os alunos tinham contato na escola. Segundo o autor, a persistência de uma representação “pueril” da infância fez com que os alunos da escola primária tivessem contato praticamente com “histórias”, em detrimento de outros textos com implicações sociais mais fortes. Discutia-se também, ao mesmo tempo, uma maneira de levar em consideração os conhecimentos iniciais e a diversidade de capacidades trazidas pelos alunos para a escola. Parece-nos que é na tentativa de solucionar essas questões, entre outros obstáculos práticos, que esses pesquisadores procuraram formular, com base na Teoria da Enunciação (especialmente Bakhtin) e na Teoria da Aprendizagem vygotskiana, uma base teórica para o desenvolvimento (e funcionamento) da linguagem de cunho sócio-interacionista [13] que possa ser utilizada com finalidades didáticas (Schneuwly [1994] 2004; Bronckart, 1999).  E, neste contexto, é justamente o conceito de gênero que vai permitir uma articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares (Schneuwly & Dolz, [1997] 2004) [14].

2.1: Gênero de texto: um mega-instrumento da atividade de linguagem

            Sem a pretensão de realizar uma análise exaustiva da noção de gênero de texto tal como defendida pela “Escola de Genebra” [15], particularmente por Bronckart e Schneuwly; nos interessa entender aqui qual é a concepção de “gênero” que está sendo utilizada para apoiar o posicionamento didático desse grupo que, como já salientamos, está intrinsecamente ligada à concepção interacionista social do desenvolvimento psicológico herdado de Vygotsky. De maneira geral, podemos dizer que os gêneros são explorados com base na metáfora “dos instrumentos que fundam a possibilidade de comunicação (e de aprendizagem)” (Dolz & Schneuwly, 1998: 64), ou seja, são vistos como uma ferramenta importante (por isso, necessária) para o desenvolvimento das funções superiores dos alunos e para sua participação nas diversas atividades.
            Quando alguém tem que agir discursivamente, deve instrumentalizar-se com um conjunto de utensílios, por exemplo, usando o garfo para comer, o machado para cortar uma árvore ou então um gênero como “instrumento para agir discursivamente”. Para Dolz & Schneuwly (1998:65), o gênero é justamente “um instrumento semiótico constituído de signos organizados de maneira regular; este instrumento é complexo e compreende níveis diferentes; é por isso que o chamamos por vezes de ‘mega-instrumento’, para dizer que se trata de um conjunto articulado de instrumentos à moda de uma usina; mas, fundamentalmente, trata-se de um instrumento que permite realizar uma ação numa situação particular”. Assim, os gêneros são mediadores semióticos das ações discursivas que acontecem entre sujeitos, ou seja, são mega-instrumentos que mediam, dão forma e viabilizam a materialização de uma atividade de linguagem.
            Aprender a falar e a escrever, então, é apropriar-se de instrumentos para realizar essas práticas em situações discursivas diversas, isto é, apropriar-se de gêneros [16]. No entanto, tal posicionamento teórico traz do ponto de vista didático e pedagógico alguns questionamentos: (i) quais gêneros, já que eles são múltiplos e heterogêneos, devem ser objetos de ensino na escola? (ii) como organizá-los em uma progressão que leve em conta o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos? (iii) o que fazer com a tipologia clássica (narração, descrição, dissertação) que predomina na escola e já faz parte dos saberes escolares? Essas, entre tantas outras questões, vão fazer com que os pesquisadores da “Escola de Genebra” elaborem e discutam algumas possibilidades de organização curricular e sistematização para um ensino com base em gêneros escritos e orais públicos (ver Dolz & Schneuwly [1996 a]; Schneuwly & Dolz [1997]; Dolz, Noverraz & Schneuwly [2001]).
            Entretanto, do ponto de vista aplicado, os gêneros “não podem fornecer princípios [visíveis] para a construção de uma progressão ou de um currículo”, apesar de serem a base do trabalho escolar (Dolz & Schneuwly ([1996 a], 2004:57). Tal posicionamento  se deve ao fato de assumir que os gêneros são entidades vagas e que não podem ser identificados apenas com base em suas propriedades lingüísticas (Bronckart, [1997], 1999). Neste sentido, é necessário, tanto do ponto de vista lingüístico quanto do psicológico, recorrer a tipologias com unidades de análise que favoreçam uma maior sistematização do ponto de vista didático-pedagógico: os tipos de discurso [17] . Eles e seus elementos constitutivos, como as seqüências textuais, podem proporcionar critérios mais claros para se pensar a progressão e a avaliação. Psicologicamente falando, com diz Schneuwly ([1994], 2004:37), essas “escolhas discursivas que se operam em níveis diversos do funcionamento psicológico de produção - seriam, portanto, construções ontogenéticas necessárias à autonomização dos diversos tipos de funcionamento e, de modo mais geral, da passagem dos gêneros primários aos gêneros secundários”. O trabalho com gêneros pode justamente favorecer o desenvolvimento dessas operações de linguagem que não se tornam disponíveis de uma só vez, mas que se constroem no curso do desenvolvimento (Schneuwly, [1994]), não estando relacionadas a uma competência textual inata.
            Este direcionamento, apesar de parecer em princípio contraditório, se apresenta de forma bastante clara se se assume que o objetivo principal da “Escola de Genebra” não é tornar os gêneros o objeto real de ensino/aprendizagem, mas utilizá-los como “quadros da atividade social em que as ações de linguagem se realizam. O objeto real de ensino/aprendizagem, portanto, são as operações de linguagem necessárias para essas ações que, dominadas, constituem as capacidades” (Machado, 2002: 36). Bronckart (2000), por exemplo, aponta para o fato de que o “modelo de gêneros”, na realidade, está a serviço de três grandes categorias de ensino: (i) os objetivos que dizem respeito à ação de linguagem [saber, por exemplo, escolher um gênero de texto adaptado a uma determinada situação de comunicação]; (ii) os objetivos que dizem respeito ao gerenciamento dos tipos de discurso que entram na composição do texto e que condicionam sua infra-estrutura global; (iii) os objetivos que dizem respeito ao domínio dos mecanismos lingüísticos (sintáticos, lexicais, prosódicos, etc.) que asseguram a coerência e a coesão de um texto. Os gêneros, então, são utilizados para promover a aprendizagem dos alunos de três grandes domínios: capacidades de ação, capacidades discursivas e capacidades lingüístico-textuais. Passaremos agora a descrever como se dá a criação de um modelo didático para atingir tais objetivos.

 2.2: Seqüências didáticas: a questão dos agrupamentos dos gêneros e da progressão 

            Como vimos no item anterior, pensar uma progressão com base apenas nos gêneros não seria a forma mais viável, pois poderia favorecer facilmente o que Dolz & Schneuwly ([1996 a], 2004) chamam de “pedagogia do coroamento”, ou seja, uma proposta que não possui um eixo de continuidade que possibilitasse pensar a construção das capacidades de linguagem; desta forma, os alunos deveriam sempre dominar cada vez melhor um gênero, passando para outro e assim sucessivamente. Já as tipologias discursivas, apesar de favorecem alguns elementos, se concentram praticamente em operações de linguagem constitutivas dos textos, mas não nos gêneros (ou mesmo nos textos de forma global). Tal impasse fez com que o grupo adotasse um sistema de “agrupamento de gêneros” que contemplasse elementos dos gêneros, dos tipos de discursos e das capacidades de linguagem dominantes. Assim, são três os critérios principais para construção de cada um dos cinco agrupamentos propostos:

 

            Para termos uma melhor visão em relação ao “agrupamento de gêneros”, utilizaremos aqui a proposta pedagógica veiculada pelo livro didático “Exprimir-se em francês - seqüências didáticas para o oral e a escrita” (Dolz, J; Noverraz, M.& Schneuwly, B ([2001]; 2004) que propõe para cada ciclo escolar da escola genebrina um trabalho com gêneros escritos e orais [18] via seqüências didáticas.

Tabela 1. Seqüências didáticas para expressão oral e escrita

 

AGRUPAMENTO

CICLO

1ª- 2ª

3ª - 4ª

5ª-6ª

7ª-8ª-9ª

NARRAR

1. O livro para completar

 

1. O conto maravilhoso
2. A narrativa de aventura

1. O conto do porquê e do como
2. A narrativa de aventura

1. A paródia de conto
2. A narrativa de ficção científica
3. A novela fantástica

RELATAR

1. O relato de experiência vivida
(Apresentação em áudio)

1. O testemunho de uma experiência vivida

1. A notícia

1. A nota biográfica
2. A reportagem radiofônica

ARGUMENTAR

1. A carta de solicitação

1. A carta de resposta ao leitor
2. O debate regrado

1. A carta do leitor
2. A apresentação de um romance

1. A petição
2. A nota crítica de leitura
3. O ponto de vista
4. O debate público

TRANSMITIR CONHECIMENTOS

1. Como funciona?
(Apresentação de um brinquedo e de seu funcionamento)

1. O artigo enciclopédico
2. A entrevista radiofônica

1. A exposição escrita
2. A nota de síntese para aprender
3. A exposição oral

1. A apresentação de documentos
2. O relatório científico

3. A exposição oral
4. A entrevista radiofônica

REGULAR COMPORTAMENTOS

1. A receita de cozinha
(Apresentação em áudio)

1. A descrição de um itinerário

1. As regras de jogo

 

     
As seqüências didáticas (Schneuwly, 1991; Dolz & Schneuwly [1996 a], 2004; Dolz, J; Noverraz, M.& Schneuwly, B [2001]; 2004) podem ser entendidas como a unidade de trabalho escolar no sentido de que propõem um conjunto de atividades que apresentam um número limitado e preciso de objetivos com a finalidade de “melhorar uma determinada prática de linguagem”. Segundo Dolz & Schneuwly ([1996 a], 2004: 51), elas confrontam os alunos “com as práticas de linguagem historicamente construídas, os gêneros textuais, para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se apropriarem”.  Não podemos, no entanto, esquecer que a perspectiva adotada nas seqüências é uma perspectiva textual que leva em consideração os diferentes níveis de elaboração dos textos (Dolz, J; Noverraz, M.& Schneuwly, B ([2001]; 2004).
 No esboço da estrutura esquemática do livro didático produzido por alguns integrantes da “Escola de Genebra, ver tabela 1 acima, temos um trabalho que envolve 35 seqüências didáticas: uma para cada gênero. O primeiro passo para montar uma seqüência didática é a escolha de um gênero e sua adaptação aos conhecimentos dos alunos; além da análise de suas propriedades, seus usos, suas formas, suas variações e seus contextos de uso (Bronckart, 2000). Desta forma, o professor poderá delimitar mais especificamente que capacidades discursivas, tipológicas e lingüístico-textuais serão efetivamente ensinadas no decorrer da seqüência didática. Conforme a figura 3 abaixo, apresentada em Dolz, J; Noverraz, M.& Schneuwly, B ([2001]; 2004: 98), podemos perceber que cada seqüência deve ser composta por quatro componentes:
Figura 3. Esquema da seqüência didática
                

            Como podemos apreender, a elaboração das seqüências didáticas e o agrupamento dos gêneros estão profundamente relacionados à questão da progressão. Percebemos claramente que há uma negação de uma construção passo a passo e uma tentativa de reorganizar as capacidades de linguagem dominantes, em função da intervenção de novos elementos. Em outras palavras, a proposta da “Escola de Genebra” procura “definir um certo número de elementos-chave, particularmente propícios a iniciar transformações importantes no modo de funcionamento da linguagem, no sentido de uma melhor mestria de seus próprios processos” (Dolz & Schneuwly [1996a] 2004:64). A nosso ver, tal relação é imprescindível, mas ao mesmo tempo “ousada”, pois a seleção desses elementos, o agrupamento dos gêneros e a preparação das seqüências didáticas requerem uma formação de professor de língua materna que tenha uma visão pedagógica, didática, psicológica e lingüística-discursiva bastante consolidada para não corrermos o risco de “jogar fora o bebê com a água do banho”, como sempre nos lembra Roxane Rojo em suas discussões.

3. Escola norte-americana: perspectiva sócio-retórica e cultural
           
            A “Escola norte-americana” ou “Nova Retórica”, formada principalmente por pesquisadores norte-americanos e canadenses (Caroline Miller, Charles Bazerman, Aviva Freedman, Anne Freadman, Peter Medway,  Richard Coe, Russel Hunt, entre outros), tem procurado enfatizar, nos seus trabalhos, a importância de uma re-definição do próprio conceito de “gênero”. E, justamente por esse motivo, a questão do ensino de gêneros é enfocada por um outro viés, ou seja, não observamos nessa tradição uma defesa explícita de uma nova pedagogia derivada dos estudos retóricos de gênero (Freedman, 1999). Segundo a autora, os encaminhamentos e posicionamentos defendidos pelo grupo podem ser selecionados pelos professores para repensar seu contexto de sala de aula e inventar estratégias apropriadas para o ensino de língua escrita.
            Em contrapartida, não podemos esquecer que a tradição chamada de “Nova Retórica” surge como uma resposta ao ensino da composição escrita que, nas escolas secundárias e nas universidades norte-americanas, pelo menos até o final do século XIX, estava sobre a influência da retórica clássica. Ao mesmo tempo, é um movimento também contrário ao ensino beletrista e mais centrado na estilística e na correção sintática e gramatical que deixava de lado os aspectos retóricos (ou pragmáticos), como a noção de contexto, audiência e ocasião (Silveira, 2002). A re-definição do conceito de gênero se estabelece, então, através da integração de quatro grandes perspectivas relacionadas ao conhecimento humano e às questões de linguagem [20]:

[1]  o movimento chamado de “Rhetorcial Turn” [Virada Retórica], que contribuiu de forma decisiva para uma noção de língua(gem) como ação simbólica (Kenneth Burke [21]); assim como para uma maior reflexão sobre a construção do conhecimento científico (Thomas Kuhn). Segundo Freedman & Medway (1994 a:4), o ensino da composição escrita também foi afetado pela “virada retórica”, pois se iniciou o emprego de conceitos retóricos clássicos que favoreciam uma base sistemática para uma pedagogia processual que ajudava os alunos a pensar mais no “processo” [audiência, adequação, ocasião, etc.] do que no “produto”.
[2] o “Construcionismo Social”, representado principalmente por Richard Rorty e Kenneth Bruffee, que enfatizou a noção de que “o conhecimento é algo socialmente construído em resposta a necessidades, metas e contextos comuns” (Freedman & Medway, 1994 a:5). Desta forma, a linguagem é entendida não só com uma forma de agir, mas como uma forma de construir representações sobre o mundo. E os textos produzidos pelos alunos, normalmente encarados como “containers of knowledge”, podem ser vistos agora de forma mais dinâmica.
[3] as “Versões Retóricas da Racionalidade”, que direcionaram sua atenção para a questão do contexto no estudo das interações sociais mediadas pelo discurso. Em especial os estudos de Stephen Toulmin (1958), no campo da argumentação, defendem que “cada texto tem que ser entendido em relação a uma situação”. A proposta de Toulmin, conforme Freedman & Medway (1994a:6), torna-se interessante para o professor, uma vez que abre a discussão de que cada disciplina ou área de estudo tem sua maneira própria de raciocínio. As aulas de produção de texto, por exemplo, vão privilegiar legitimações, evidências e reivindicações específicas, o que resulta ver os gêneros produzidos na esfera escolar como “versões retóricas diferenciadas e especializadas da realidade”, segundo os autores.
[4] a “Teoria dos Atos de Fala”, elaborada pelo filósofo John Austin (1962), que vai defender que as palavras realizam muito mais do que simplesmente fazer afirmações sobre o mundo. Freedman & Medway (1994a:6) destacam dois pontos importantes desta teoria: o primeiro é que a língua – e especialmente os enunciados são vistos como formas de agir no mundo e o segundo é a visão de que “para um enunciado ser compreendido como uma ação, os pesquisadores precisam levar em consideração o contexto e compreendê-lo na forma como é compreendido por seus participantes”.
     
3.1: Gênero como ação social

            Os estudos desenvolvidos nas quatro perspectivas, mencionadas acima, apontavam para uma noção de gênero que levasse em consideração principalmente a ação simbólica, ou seja, o que os textos e enunciados fazem numa determinada situação. É por isso que a definição de gênero centra-se agora no conceito de ação e de atividade (Miller 1984, 1994; Bazerman, 1988). Uma definição de gênero teoricamente bem fundamentada, segundo Miller (1994:23), “deve ser centrada não na substância ou na forma do discurso, mas na ação cuja realização se dá através do gênero utilizado”. O interesse dos estudos sócio-retóricos não é descrever elementos textuais, mas explicar como os gêneros respondem a diferentes exigências retóricas (Coe, 1994 a e b), enfatizando-se o contexto e o uso. Em suma, os gêneros são vistos como formas de ação social e discursiva (Miller, 1984).
            Ao assumir esse posicionamento, os gêneros deixam de ser compreendidos como tipos de texto com suas regularidades lingüístico-textuais e passam a ser definidos como ações em resposta a contextos sociais recorrentes numa determinada cultura. Isso não significa ignorar os elementos textuais, mas observá-los sobre um outro ângulo: “como traços das respostas socialmente construídas” (Freedman, 1999). É com essa visão pragmática dos gêneros que vários pesquisadores da “Nova Retórica” vão procurar, principalmente nos estudos de Bakhtin, elementos para enriquecer a discussão: como as noções de dialogismo, carnavalização, intertextualidade e interação [22] ou a ênfase nas questões sociais e culturais.
O que é interessante perceber aqui é que o conceito de gênero bakhtiniano não foi utilizado para classificar “tipos relativamente estáveis de enunciados”; ao contrário, o que vem à tona é muito mais a questão da dinamicidade, da plasticidade, da criatividade e do movimento dos gêneros (ver os trabalhos de Hunt e Chapman). Tal posicionamento traz do ponto de vista aplicado algumas ressalvas e a principal delas parece ser não propor nenhum modelo de ensino de gêneros. Segundo Freedman (1999:756), os pesquisadores da abordagem retórica ao estudo de gêneros “respeitam o conhecimento situado e o papel do contexto para tomar decisões em relação ao ensino. E seria por isso presunçoso tentar pronunciar o mundo da verdade do lado de fora”. Em outras palavras, torna-se quase impossível montar um modelo ou um currículo com base em gêneros de forma geral e não situada e contextualizada. Não podemos esquecer que a escola americana é fortemente influenciada pelos antropólogos, sociólogos e etnógrafos que se preocupam a com a organização social e sua relação com a cultura e o poder.
Por essa razão também, diferentemente do que fizemos com as duas tradições anteriores, resolvemos apontar alguns posicionamentos em relação ao ensino de gêneros defendidos por essa tradição que dialogam de alguma forma com os modelos propostos pela escola australiana e genebrina, a saber: (i) a questão do ensino explícito dos gêneros; (ii) a possibilidade de utilizá-los como objetos de ensino e (iii) a criação de novos gêneros em sala de aula.
3.1: Nova-Retórica: a questão do ensino de língua materna

            Se contrapondo a visão de que trabalhar com gênero seja apenas uma questão de ensinar a gerar um texto com determinados aspectos formais e textuais; Freedman & Medway (1994 b:11) enfatizam a dificuldade que uma visão de gênero de base sócio-retórica e cultural pode trazer para o ensino. Tal complexidade deve-se ao fato de se pensar muito mais nos elementos da situação, definidos não apenas com base nas circunstâncias imediatas (participantes, propósitos específicos, etc.), mas levando-se também em consideração os valores, as prioridades, as disciplinas escolares, etc. Assim, essa tradição resiste ao ensino prescritivo das formas genéricas, ao apostar num movimento instável dos gêneros. Afinal de contas, eles são “stabilized for now”. Tal posicionamento deve-se, segundo Freedman (1999), a uma visão de gênero como algo dinâmico, sujeito a mudanças, evoluções e/ou desaparecimento (Miller 1994; Bazerman, 1988); o que dificulta até mesmo a elaboração de uma taxonomia [23].
            O ensino explícito dos gêneros defendido pela “Escola de Sidney” é fortemente criticado pelos estudos retóricos por justamente enfatizar mais os elementos textuais e lingüísticos do que as ações e práticas retóricas (Freedman, 1994; 1999; Freedman & Medway, 1994 a e b). São as situações retóricas que ajudariam o aluno a pensar nos propósitos comunicativos, na audiência, na circunstância e no gênero. Segundo Coe (1994 b: 163), “há um grande perigo quando os gêneros são reduzidos a estruturas, quando eles são separados dos seus ambientes ou quando as estratégias são esquecidas”. Por essa razão, o autor defende que os alunos deveriam apreender a produzir discursos em gêneros, sem que isso signifique necessariamente o ensino explícito dos gêneros. Apenas em poucas situações e somente para alguns alunos faz-se necessário um trabalho mais explícito (Freedman 1994; 1999).
            Hunt (1994b:246) nos lembra, com base em Bakhtin, que “o gênero é invocado ou inventado (reinventado) como uma resposta a situações sociais”, ou seja, como uma forma de diálogo. Diálogo esse nem sempre vivenciado nas situações de produção de texto em sala de aula, pois o “discurso não é nem criado pelo aluno nem entendido pelo professor como um enunciado” (Hunt, 1994:248). Para os alunos utilizarem a língua escrita de forma dialógica e situada, os professores deveriam criar situações e estratégias em que os alunos inventassem novos gêneros para essas novas situações, ou seja, um trabalho voltado para subversão e criatividade do gênero. Mais do que um trabalho baseado na imitação de modelos, os professores deveriam ajudar os alunos a “desconstruir” e a reconstruir tais modelos. Em suma, eles precisariam voltar sua atenção não apenas para o texto, como conclui Aviva Freedman (1999:766), “mas para as maneiras em que os textos respondem ao contexto institucional complexo, discursivo, ideológico, social e cultural do qual eles fazem parte. Tal atenção pode abrir possibilidades para mudanças, para resistência, e para realçar o ensino-aprendizagem. E o mais importante: uma compreensão dos estudos sócio-retóricos do gênero ajuda manter um professor na vital ‘relação entre a língua e a vida’”.

4. “E agora, José?”
           
            Na tentativa bastante arriscada de traçar para o leitor os principais posicionamentos didáticos de três tradições que utilizam o conceito de gênero para (re)pensar o ensino de língua materna, nos deparamos com vários obstáculos. O principal é procurar entender “propostas” de ensino sem termos maiores condições de aprofundar questões políticas e educacionais que envolvem e possibilitam o surgimento e divulgação de tais estudos em seus respectivos países. Uma outra questão problemática é o perigo de, ao descrever as três tradições como blocos estanques dotados de uma homogeneidade, esquecer os conflitos internos frutos dos itinerários intelectuais e métodos adotados por cada pesquisador.Corremos, por isso mesmo, sérios riscos.
No entanto, preferimos enfrentar tais “obstáculos”, deixando bem claro que a nossa maior preocupação, ao produzir esse artigo, era procurar entender o que está em jogo quando há uma opção por um ensino de língua materna com base em gêneros. E que, apesar das diferenças constitutivas, essas tradições mantêm um núcleo-comum que procuramos aqui de maneira sintética apresentar e que de maneira implícita ou explícita aparecem em vários trabalhos realizados no Brasil.
Além disso, gostaríamos também de colocar em xeque a questão de que o ensino de gêneros seria apenas um modismo. Parece-nos que não. Fica evidente que, nas três tradições enfocadas, o conceito de gênero é sempre utilizado para desestabilizar práticas de ensino vistas como problemáticas ou tradicionais. E essa desestabilização nem sempre ocorre de forma pacífica, como muitos parecem ainda acreditar; nem significa uma mera substituição de práticas pedagógicas. O conceito de gênero pode perfeitamente funcionar, no nosso entender, como uma força centrífuga, revozeando Bakhtin ([1934-35] 1998), que vai procurar trazer para escola (lugar do uno – da força centrípeta) não mais o homogêneo, mas o plurilingüísmo, ou seja, o heterogêneo. Inicia-se, assim, uma luta de forças e de ideologias também nem sempre levadas em consideração.
            Nesse espaço de conflito, o conceito de gênero pode também ser facilmente reduzido à noção de texto na equação função/modelo de texto (Signorini, 2001). Ou, de forma mais sucinta e camuflada, ser transformado em conteúdo escolar, isto é, numa nova gramática no nível do texto. A “matéria” da prova de produção de texto passa a ser a metalinguagem dos gêneros estudados durante o semestre. Isso faz com que nos questionemos se o que deveríamos enfatizar é um ensino com gêneros ou um ensino sobre gêneros. A descrição das três tradições nos mostra que este é um ponto que merece ser ainda aprofundado, pois dependendo dos nossos posicionamentos estaremos construindo objetos de ensino bastante divergentes. Isto não quer dizer que devemos escolher apenas uma dessas opções, mas que muitas vezes corremos o sério risco de, mesmo com um repertório variado de gêneros, trabalhar com uma visão de língua homogênea e estereotipada, priorizando os aspectos mais formais e desprezando os elementos pragmáticos e discursivos. Segundo Bakhtin/ Volochinov ([1929], 1986:95), “um método eficaz e correto de ensino prático exige que a forma seja assimilada não no sistema abstrato da língua, isto é, como uma forma sempre idêntica a si mesma, mas na estrutura concreta da enunciação, como um signo flexível e variável”. Parece-nos que o que está em conflito é muito mais a nossa própria compreensão do que seja gênero. E agora, José?

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[1] Este artigo é uma versão ampliada da conferência “Era uma vez: os gêneros na sala de aula”, ministrada na Universidade Federal de São Carlos (SP), no dia 02 Julho de 2003. Gostaríamos imensamente de agradecer aos participantes do GEGE (Grupo de Estudo dos Gêneros Discursivos), em especial a Aline, ao André e ao Miotello, pelo convite para realizar essa conferência no 1º Colóquio do GEGE e pela indicação de publicação na coletânea ‘Quimera e a peculiar atividade de formalizar a mistura do nosso café com o revigorante chá de Bakhtin”. São Carlos: Grupos de Estudos dos Gêneros do Discurso (2004).

[2]Aconselhamos a leitura de Swales (1990), Paltridge (1997), Vian Jr. (1997), Marcuschi (1999), Chandler (2000), Breure (2001) e Pinheiro (2002) para uma visão panorâmica da abrangência dos estudos sobre gênero.

[3] Cabe também lembrar outros grupos de pesquisa que enfocam o ensino de língua materna, mas que não serão o enfoque desse artigo como o grupo do Reino Unido (mais especificamente Wray & Lewis) e a perspectiva de análise crítica do discurso (Gunter Kress, Fairclough).

[4]Ver Halliday (1978); Halliday & Hasan (1989).

[5] Movimento baseado em pesquisas realizadas nos Estados Unidos para redefinir os alunos de primeiro e segundo grau, assim como os adultos, como “reais” autores de seus textos. Essa perspectiva encara a escrita como um “processo” social e retórico que envolve algumas etapas: 1. Conceptualization; 2. Composing [composição]; 3. Editing [edição]; 4.Revision [revisão] e 5. Presentation [apresentação] (Graves, 1983). Baseando-se nos modelos retóricos de composição, este movimento procura dar “voz” aos alunos para comunicar-se com audiência particulares e reais e preocupa-se menos com a correção gramatical e técnica.

[6] Movimento, baseado na psicolingüística norte-americana e da pedagogia progressiva de Dewey, tem como fundamento principal o enfoque na aprendizagem de sistemas lingüísticos com base em textos integrais que ocorrem naturalmente. Ao assessorar os alunos, os professores devem observar o comportamento e a interação social, através de gravações e anotações, com base nos pressupostos da psicolingüística, sociolingüística e dos modelos etnográficos de descrição da linguagem em uso cotidiano (Goodman, 1978 apud Luke & Kraayenoord, 1998).

[7] “For political reasons, advocates of a genre-bases curriculum feel compelled to reject the invisible literacy pedagogy deriving from progressivism” (Martin, 1993:163).

[8] Os gêneros procedimentais (ou instrucionais), por exemplo, são importantes no aprendizado de disciplinas como “Ciências” e “Estudos Sociais”, além de facilitar a participação dos alunos nas aulas de “Artes” e “Educação Física” (Rothery, 1996:100).

[9] “Just as it is possible to talk of a written genre – a text systematically patterned and organised to make meaning- it is also possible to speak of a curriculum genre, where the term refers to the ways in which teaching/learning activities are systematically structured and organised in patterns of classroom discourse. Curriculum genres are also systematically shaped and structured ways of making meaning” (Christie, 1984 apud Richardson, 1994:127).

[10] Esses gêneros escolares são normalmente divididos em dois grandes grupos: gêneros factuais [factual genres] e gêneros narrativos [narrative genres] na escola primária (ver maiores detalhes em Cairney, 1992; Richardson, 1994). Na escola secundária, além dos gêneros factuais e dos narrativos/ históricos, aparecem também os gêneros argumentativos [reponse genres] que solicitam uma postura mais crítica dos alunos através de resenhas, interpretações, etc. (Rothery, 1996).

[11] Estágio criado com base em uma teoria de base filosófica e literária que afirma ser impossível para um texto ter um sentido fixo e enfatiza o papel do leitor na produção de sentido.

[12] Tal modelo de ensino tem recebido algumas críticas que preferimos não destacar aqui devido ao objetivo principal desse artigo. Indicamos a resenha crítica de Cairney (1992); Richardson (1994), Halliday (1996), Hasan (1996) e Luke (1996).                                                                                                                                                                                                                                                                  

[13] Como bem frisa Machado (2002), o interacionismo sócio-discursivo é uma vertente da Psicologia da Linguagem que mantém uma relação dialética com a Didática de Línguas. É justamente por ser um campo interdisciplinar que seus postulados são facilmente reduzidos; o que pode facilitar “uma interpretação que toma o todo pela parte”, como sugere a autora. 

[14] “Nós partimos da hipótese de que é através dos gêneros que as práticas de linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes” (Schneuwly & Dolz, [1997] 2004:74).

[15] Indicamos a leitura crítica de Rojo (2002) e Machado (2002); assim como Bronckart ([1997]1999).

[16] Ver discussão aprofundada em Schneuwly ([1994] 2004).

[17] São segmentos intuitivamente isoláveis por sua função semântico-pragmática que podem ser identificadas configurações de unidades lingüísticas (subconjunto de tempos verbais, pronomes, organizadores, advérbios de modalização, etc.) e modos de organização sintática relativamente estáveis. (Bronckart, 2000:6). Os tipos discurso realizam três categorias de operação de linguagem: (i) a elaboração de um mundo discursivo [mundo do EXPOR ou mundo do NARRAR]; (ii) a adoção de uma forma de seqüencialidade [esquema narrativo, seqüência argumentativa]; (iii) a escolha de implicar ou não, no próprio texto [implicação e disjunção]. Ver também Bronckart (1999) e Machado (2002).

[18] Os autores sinalizam, em vários artigos, que os agrupamentos não têm a pretensão de classificar os gêneros de maneira absoluta. O que encontramos neles são alguns gêneros protótipos. O agrupamento é uma forma de “dispor um instrumento suficientemente fundado teoricamente para resolver, provisoriamente, problemas práticos com a escolha dos gêneros e sua organização numa progressão” (Dolz, J; Noverraz, M.& Schneuwly, B ([2001]; 2004:122).

[19] Na produção da receita para ser divulgada no rádio da escola, os alunos podem aprender, por exemplo, o que é uma característica (música que identifica o programa de rádio no início de cada bloco, no início e no fim de cada transmissão) ou uma cortina (breve trecho musical que identifica ou separa uma determinada parte de um programa em relação ao todo). Ver Dolz e Schneuwly ([1996b] 2004) sobre a questão da metalinguagem dos alunos.

[20] Ver uma discussão mais aprofundada em Freedman & Medway (1994 a e b).

[21] Para Burke, a retórica é definida como “o uso das palavras pelos agentes humanos para formar atitudes ou para induzir ações noutros agentes humanos” (Burke, 1950 apud Silveira, 2002).

[22] Recomendamos a leitura dos artigos de Hunt (1994), Bialostosky (1994) e Chapman para uma visão de como os estudos bakthinianos têm uma forte influência nas ações desenvolvidas em sala de aula.

[23] O artigo de Geertz ([1983]1999) influenciou bastante também a construção de uma concepção de gênero de base sócio-retórica e cultural.